sábado, 27 de julho de 2013

Em livro, Sócrates vê geração de Pelé "omissa" e alfineta colega de 82

Sócrates, capitão da seleção em 1982, alfinetou a postura de um colega de equipe

Em um livro de memórias e pensamentos aleatórios escrito nos últimos anos de sua vida, Sócrates falou sobre sua experiência como jogador profissional, contou causos e, como não poderia deixar de ser, desfiou algumas críticas. Na obra, que ainda não tem data para ser publicada, o ídolo corintiano reclamou, entre outras coisas, da postura apolítica adotada pela geração de Pelé no auge da ditadura, nos anos 1960.
"Nossos jogadores eram românticos com a bola no pé, mas na conduta, absolutamente omissos", diz Sócrates, no livro ao qual o UOL Esporte teve acesso.
O trecho faz parte de um capítulo em que Sócrates discute o impacto do movimento estudantil de 1968 no futebol brasileiro. Nele, o ex-jogador, morto em 2011 em decorrência de uma cirrose hepática causada pelo alcoolismo, fala da influência de Daniel Cohn-Bendit, um dos líderes franceses do levante popular, em sua vida.

SÓCRATES TAMBÉM ESCREVE SOBRE RACISMO E PEDIDO DE CASAGRANDE
Ana Carolina Fernandes/Folhapress

Sócrates defende que o futebol brasileiro não poderia passar à margem do que acontecia em todo o mundo, especialmente porque o próprio país estava em "uma situação de guerra civil em busca da derrocada do regime militar que nos sufocava". Em seu texto, ele reclama que poucos no esporte apoiaram o processo de mudanças, e por isso acabaram "expostos a regimes tacanhas e reacionários".
O exemplo positivo citado por Sócrates é João Saldanha, comunista convicto que treinava a seleção nacional até 1969, quando deixou o comando técnico por uma divergência com o então presidente da República, Emilio Médici. "Imaginem se no momento de sua derrubada seus comandados tivessem reagido e afrontado a decisão que veio de cima? Ou mesmo se um único atleta como Pelé houvesse se manifestado de forma clara contra todos os desmandos que atacavam a nossa juventude?", escreve Sócrates.
A passagem é só uma das várias narradas por Sócrates, que abre discussões sobre a preparação dos jogadores e dirigentes, passa pelo futebol feminino e esbarra em vários momentos de sua vida, sem deixar que o livro se torne uma autobiografia. O material hoje está nas mãos de Katia Bagnarelli, viúva do ex-jogador que ainda tenta viabilizar a publicação da obra.
Além de reunir e revisar o texto, ela também procurou dois nomes de peso para escrever o prefácio do livro: o ex-jogador holandês Johan Cruyiff e o próprio Daniel Cohn-Bendit, ambos referências na formação de Sócrates. O ídolo corintiano ainda conta diversos causos de sua carreira de jogador, lembrando desde a democracia corintiana até a passagem malfadada dele pelo Flamengo, passando pelos bons e maus momentos de seleção brasileira.
Nos capítulos que tratam de sua relação com a camisa amarela, Sócrates é só elogios a nomes como Telê Santana e Zico, mas critica duramente a concentração e a rotina dos atletas. Em um dos capítulos, ele também reflete sobre o impacto que a mídia tinha sobre os jogadores.
"Isso muitas vezes provoca reações sobre o ego das pessoas que nem mesmo elas se dão conta, produzindo certa euforia que os pode levar a acreditar que realmente estão próximos de se tornarem deuses. Aí, o espírito coletivo se esvai, pois para a manutenção daquela sensação é necessário que o mesmo estímulo se faça novamente presente. Tipo: vou fazer o gol porque assim os repórteres irão me procurar mais e mais", disse Sócrates.
Em 1982, por exemplo, ele avalia que um de seus colegas pode ter sido atrapalhado por esse contexto.
"Aconteceu – não sei se exatamente por causa disso, mas não tenho dúvidas que a influência dessas emoções interferiu decisivamente - um fato de fundamental importância naquela campanha do Mundial de 1982 e que poderia ter provocado um final muito diferente do que ocorreu", escreveu Sócrates.
O capitão daquele time, eliminado de forma dramática pela Itália na segunda fase, narra justamente o momento seguinte ao gol de Falcão, que empatou o jogo decisivo por 2 a 2. O empate era favorável ao Brasil, mas uma virada naquele instante seria fundamental diante de uma Itália que já tinha dado mostras de sua força no contra-ataque.
"Roubamos uma bola no meio de campo e partimos para o contra-ataque com dois jogadores contra apenas um do adversário. Um colega, que estava com a bola dominada, em vez de tocar para mim que corria ao seu lado pronto para recebê-la, preferiu o drible, o que propiciou a interrupção da jogada por parte do líbero Scirea", disse Sócrates.
O autor não cita nominalmente quem seria o colega em questão. O VT do jogo em questão, porém, mostra que um minuto depois do gol de Falcão, Éder toma a bola de um zagueiro e tenta cortar para a esquerda em vez de lançar Sócrates, que entrava sozinho. Mais tarde, Paolo Rossi faria o terceiro e afundaria o sonho do título daquela geração.

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